- Aniké Pellegrini
Essa geração… Afeto e criatividade
Existe um movimento acontecendo dentro da cena dos criativos (produtores artísticos, artistas visuais, do audiovisual, atletas das palavras) que tem virado a chave do jogo e a perspectiva da narrativa preta. Movimento esse que prioriza pautas leves para a população negra, porque afinal… Também temos direito de descansar e amar.
Não é sobre fingir que não vivemos um contexto político, social e econômico que desfavorece a população negra, muito menos fingir que não sentimos constante medo e frustração por todo o corre que temos que fazer, riscos que corremos em todos os ambientes, preocupações que carregamos e situações que levamos em conta.
Mas é sobre dar palco para narrativas que nos fazem bem, para compartilhar esperança e retratar a poesia que há em ser negro. Poesia, nesse caso, podemos entender como as belezas, o encantamento e a subjetividade que nossa cultura carrega.
O atleta da palavra Felipe Marinho já dizia em seu instagram:
não tenho conseguido imaginar um outro futuro pra nós sem a poética, não que nosso futuro seja estritamente ligado a ela, mas não consigo imaginar e muito mais ser otimista com o futuro sem a presença desse recurso que é fundamental na quebra da imagem que a colonização tem perpetuado no nosso imaginário coletivo
Leia completo em: https://www.instagram.com/p/CBwUrtenPKt/
Esse tal movimento, que não sei se aproxima mais de uma Semana de 22 (Semana de Arte Moderna de 1922) ou de algo como foi o movimento Tropicália mas sob outra perspectiva: a negra, vem para mudar esse imaginário coletivo e inserir poesia.
Felipe é um dos criativos que vem fazendo essa transição e junto com ele, temos outros jovens pretos levantando essa discussão.
Pô negrão, tá apaixonado?
Recentemente o artista Jaden Smith lançou o álbum “CTV3: Cool Tape Vol 3” que soa como um amor de verão. Dá um quentinho no coração. E para quem vem de uma narrativa como da música “ICON”, em que ele canta sobre ser um ícone vivo, visionário e requisitado, trazer um álbum sobre efeitos da paixão é transgredir expectativas.
Para muitas mídias o ponto alto do álbum é a parceria com o Justin Bieber, o que deveria estar em segundo, terceiro ou até último plano. Vamos falar sobre “Everything”? Música em que ele repete várias e várias vezes o verso “You’re my everything” [você é meu tudo], numa explícita declaração de amor.
Vai contra estigmas e rompe com construção social da “música de negrão” e as temáticas que circundam esse lugar. Para encontrar esse rompimento, não precisamos ir tão longe. Aqui no Brasil, a dupla YOÙN tem cantado sobre a
Loucura é estar fora do óbvio (sórdido)
(trecho da música Meu Grande Amor)
Enquanto Trevo, integrante do coletivo de Salvador UNDERISMO, canta:
Eu sou a guerra que busca o amor
Nascido entre os dois, eu sou dualidade
Hoje eu sou seu afago, amanhã sua dor
Precisamos nos acostumar com o fato de que homens negros também amam, assim um álbum, single, obra completamente sobre amor não vai nos chocar tanto assim. Trazendo para a linguagem cibernética atual, precisamos permitir que homens negros sejam soft.
FOR US, BY US
Marca de roupa ou letra de música da Solange Knowles? Nesse caso, o conteúdo importa mais que a forma. Do mesmo jeito que o movimento é buscar o afeto e aconchego, é também nos priorizarmos.
Ainda temos muito o que mudar daqui pro futuro, mas o que fazemos a partir de agora é para nos agradar. Algo me diz que, assim como esse texto é feito pensado 100% pra comunidade negra, outros criadores também estão priorizando suas origens.
Aprendemos que se não quiserem nos dar espaço, podemos construir ferramentas que constroem espaço e passar por cima das limitações. Os pensamentos que colocavam a aprovação branca em primeiro patamar já não são tão relevantes na atualidade.
Os dois últimos álbuns da Solange, A seat at the table e When I get home, são para nós, da mesma forma que Black is King da Bey também é. Vem aí o álbum Células, do selo Nebulosa que conversa com todo preto e o Festival Favela em Casa, fez por e para as periferias brasileiras.
Por muito tempo nos colocaram no papel de construir palco para o teatro alheio. Depois de tentarmos adentrar o palco que construímos e ter acesso negado, passamos a construir os nossos palcos para não só ocuparmos, mas direcionarmos o holofote para nós e aos nossos.
Prova concreta desse movimento são todos os canais de youtube liderados por pessoas negras, de Nataly Neri e o Afros e Afins ao canal da Ludmilla.
E esse processo de desamarra é muito lindo: é o que me permite escrever um texto tão poético, com filosofia e leveza ao invés de escrever sobre mais uma vida preta que perdemos. É o que me permite transmitir esperanças e gerar felicidade. E mais que tudo isso, é o que permite que tenhamos cada vez mais oportunidades de fazer ou falar o que queremos e não o que querem de nós.
Abram-se as cortinas, agora para o povo preto!
Texto originalmente publicado no blog Clube da Preta em setembro de 2020.