- Aniké Pellegrini
Gen Z: Toda essa plastificação digital me faz sentir web.perdida.
Atualizado: 9 de jul.
Logo nós, Gen Z, que crescemos entre tanta conexão digital e transformamos os padrões de consumos, estamos em um momento de crise web.identitária, sem saber se seguimos ou desistimos desse ambiente digital, se postamos deliberadamente ou regradamente, se fazemos reels, post no feed ou stories. Estamos perdidos. E nos encontramos nesse momento, justamente por termos essa presença online e a autenticidade como elementos fundamentais da nossa existência.
Afirmo a existência dessa crise porque tenho visto e ouvido cada vez mais entre a comunidade Z, frustrações do ambiente digital que nos levam a desesperança e desistir do que construímos até aqui. São criadores de conteúdos, artistas, comunicadores, influencers, formadores de opiniões sem saber como seguir.
É como se estivéssemos viajando com uma mala de rodinha sem ver que derrubamos toda a roupa no caminho; quando chegamos no destino a mala está vazia.
LINDO DISCURSO, MAS EM VOCÊ NÃO BRILHA
um panorama geral
Alguns relatórios já apontaram que as transformações que provocamos no mercado estão diretamente associadas à nossa forma de consumo que parte da defesa de valores. Já não buscamos mais o que é simplesmente bonito, não compramos a marca pelo seu nome. Compramos as marcas pelo que são, mais do que elas defendem no discurso. Por suas verdades. Assim, vemos os produtores periféricos, negros, lgbtqiap+ ganharem nome, as marcas sustentáveis ganharem forças e algumas marcas dominarem determinadas comunidades.
A Julia Costa Shop, DOD Alfaiataria, Tenho Uns Panos, De Negrão, Dendezeiro, Pink Boto Shop, Kantupac, Arte Trava, Mile Lab, ID Urb, Carneiro Studio, PIERRO, QUEM, Agomide estão todas aí para provar!
Contudo, quando as grandes marcas começam a entender o nosso comportamento, buscam se encaixar em nós, se associando aos nossos valores para nos alcançar e converter vendas. A primeira questão que isso gera é que em nós temos isso de forma autêntica e consequentemente, as marcas plastificam a autenticidade. O que nos levou a diferenciar autenticidade vs. verdade.
Apesar de eu usar muito a palavra “marca” para descrever o outro lado da moeda, influenciadores também se encaixam nessa categoria por entrarem nessa mesma busca por um público consumidor massivo. E estes, caem na mesma plastificação da autenticidade por produzirem conteúdos que viralizam por suas autenticidades, verdades.
Enfim, diferenciando a autenticidade da verdade, passamos a olhar para a história por trás da marca e se cumprem mesmo as responsabilidades sociais que assumem ou levantam bandeiras por puro oportunismo de vendas - alô, é do departamento de greenwashing? pink money? black money?
“As empresas devem estar atentas a três implicações para esta geração: consumo como acesso, em vez de posse, consumo como expressão de identidade individual e consumo como uma questão de preocupação ética. Aliado aos avanços tecnológicos, essa mudança geracional está transformando o cenário do consumidor de uma maneira que atravessa todas as faixas socioeconômicas e se estende além da Geração Z, permeando toda a pirâmide demográfica”.
‘True Gen’: Generation Z and its implications for companies (Relatório McKinsey & Company)
Para então conectarem produtos aos valores e inserirem nas comunidades, passaram a integrar influenciadores em suas dinâmicas de propaganda, porque um determinado representante de comunidade utilizar ou indicar um produto se tornou um selo de credibilidade. Por lógica, um ativista ambiental utilizará marcas que selam compromissos sustentáveis.
Resultado disso, vemos o boom das publis. Produtos inseridos em trends e dancinhas. Marcas forçando que challenges viralizem. Reviews pagos. Get Ready With Me, POV, Dumps encomendados. Nossos memes distorcidos. Centenas de vídeos que iniciam com “a convite da marca X” mas são pagos, “muitos me perguntam” mas ninguém perguntou…
Os propósitos de cada rede se transformaram com o uso e nesse processo, o que nos estimulava a produzir, conversar, mostrar nossas visões para nossas comunidades perdeu força para a inundação da plastificação.
SCROOLING & CÉREBRO DE COGUMELO & ÊXODO DIGITAL
Scrolling [substantivo]
Definição: Ato de deslizar o dedo para percorrer rapidamente o conteúdo exibido em uma plataforma digital, como redes sociais, sites ou aplicativos. Também conhecido como abdução.
Temos cada vez mais caído na rolagem infinita assistindo a conteúdos. Do doomscrolling, hábito compulsivo de rolar continuamente as redes sociais ou sites de notícias em busca de informações negativas e alarmantes, ao mindless scrolling, consumo automático de conteúdos, sentimos cada vez mais os impactos que esse comportamento está causando em nós: Insônia, desesperança, sobrecarga de informação, cansaço mental, cansaço da vista, aumento da distração, da comparação social, ansiedade e stress.
Gosto muito do vídeo da Monica Hernandez “doomscrolling: tik tok destroyed my creativity” (doomscrolling: o tiktok destruiu minha criatividade) em que ela diz:
Eu temo ter me tornado vazia, meu cérebro de cogumelo destruído, sinto o esgotamento se multiplicando em todas as partes do meu ser até o ponto da imobilidade. Periodicamente, caio na fatal armadilha do "doomscrolling.
I fear i become vapid, my brain of mushy ruined, i feel burnouts multiplied in every faction of my being to the point os immobility. I periodically fall into the fatal grasp of doomscrolling.
Soa um pouco dramático, mas eu ainda não havia encontrado um conteúdo que resumisse tão bem essa sensação que tenho carregado comigo e escutado outros amigos externarem também. Estamos nos sentindo raptados pelas redes e temos notado isso. Não é sútil. Sentimos a dificuldade em fechar o instagram, em interroper a rolagem infinita. Sentar no sofá e ver “rapidinho” alguns conteúdos, se tornou um hábito e um hábito tóxico.
Nossas habilidades criativas estão sendo afetadas pelo consumo excessivo de conteúdo frenéticos, rasos e hipnotizantes. Não aguentamos mais assistir um vídeo do youtube como fazíamos antes, cansamos muito cedo do vídeo e fechamos a aba, buscamos outro… Ler um texto se tornou um trabalho difícil, principalmente para absorver as informações que ele carrega; digo por experiência própria!
Fiquei um bom tempo sem escrever, justamente por cair na desesperança de que meus textos já não são mais relevantes, por perderem espaço e capilaridade. Mas quando decidi voltar a escrever, senti como se eu tivesse perdido a habilidade, como se eu nem sequer tivesse um dom. Se tornou uma tarefa difícil.
Ps.: esse texto saiu depois de muita terapia, escuta, leitura e exercício de escrita.
A reprodução do conteúdo que viraliza tem suprimido nossa criatividade. A inundação das redes com a plastificação da autenticidade nos faz sentir só mais irrelevantes. E o boom de #publipost esvazia os propósitos que enxergávamos nas redes. Os "smart.phones" passam a ser o símbolo da frustração e se tornam populares as fugas do mundo digital. Um exemplo dessa fuga é o hype das cybershots:
De acordo com uma matéria publicada no The New York Times, a ideia de retornar com as câmeras digitais é que os jovens entre 16 e 24 anos deixem os celulares e voltem a ter contato com tecnologias mais antigas
Leia completo em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/01/cameras-digitais-viram-sensacao-entre-a-geracao-z/
Outro grande exemplo é o que pesquisadores estão chamando de "Social Media Exodus" ou "Êxodo das Redes Sociais", movimento de fuga do ambiente digital como um tentativa de solucionar as frustrações, ansiedade, os sintomas da vida online. Curiosamente, ainda que tendo excluído instagram, snapchat, twitter, tiktok... existem muitos criadores de conteúdo que compartilham suas jornadas no youtube, inclusive suas falhas. Pessoalmente, eu vejo o youtube como mais uma rede mas entendo que a dinâmica de interação, consumo e trocas seja diferente, fazendo dele uma exceção onde você joga seu vídeo e sai.
Assim, ganham espaços as plataformas e modelos de conteúdos que permitem o slow content, como a Shae (no vídeo acima) faz com o Tumblr, eu faço com esse blog e em meu perfil do instagram, e como a Nataly Neri passou a fazer com seu canal do Youtube desde 2019.
Slow bloging ou blogar devagar, no português, faz parte de um grande movimento ou posicionamento, como eu prefiro dizer, da sua vida frente às demandas do mundo para diminuir a velocidade.
Contudo, por mais que o slow bloging e o êxodo digital solucionem fisicamente e psicologicamete os sintomas da velocidade do mundo digital, não são suficientes a ponto de romperem a plastificação da internet e não são maiores que o medo de não existir socialmente; afinal, se "quem não é visto, não é lembrado", como ficam os indivíduos que escolhem sair das redes sociais online? Se as redes viraram portfólio, quem exclui as redes tende a não fechar mais contratos?
O movimento de êxodo digital definitivo ainda é pequeno.
Infelizmente, no momento, não tenho respostas nem soluções para nada disso, por mais que eu gostaria. Esse texto, fiz no propósito de mostrar aos indivíduos dessa comunidade complexa Gen Z, que não estão sozinhos nesse desafi e que esse furacão de sensações de descrença, desesperança e o desejo de desistir desse web.universo não é uma sensação individual e sim coletiva. Também não é um fracasso pessoal, muito menos um distúrbio, mas sintomas de um sistema onde não nos encaixamos ou moldamos.
Nos resta assim, de um lado, a necessidade de enxergarmos as redes menos como parte da nossa identidade e mais como uma performance > principalmente profissional. Apresentando estrategicamente quem somos, o que fazemos e como pensamos, utilizando em partes como journal ou blog e em outras como um portfólio, e também aprendendo a preservar um pouco de nós para o mundo físico, para o offline.
<Só viver um pouco, sem que todos saibam>
E do outro, a busca por formas nossas de expressão, como a exploração de outras linguagens. Temos aí o vídeo no youtube, o post no tumblr, os blogs, o zine no mundo offline, a publicação independente, as rádios, ilustrações, pinturas, os encontros!
E por mais que esse chamado seja para explorarmos outras formas de ser, outras identidades que a gente pode assumir, afinal sempre fomos multi, sempre fomos complexos, acredito também que ainda tem muito espaço digital para nós! Só precisamos nos reencontrar e permanecer fiéis a nós mesmos e tudo que somos, antes de qualquer marca, qualquer publi ou perfil.